segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Quando Carlos era criança, ele gostava de gritar. 
Ninguém entendia o pequeno Carlos, o achavam retardado. 
Mas também.... 
Ninguém ouvia os sons que ele o tempo todo escutava. O som dos carros. Das buzinas. Dos acidentes... O som dos passos, das gargalhadas no corredor. Do giz extinguindo-se no quadro. O som de mil respirações juntas. Dos latidos dos cachorros da vizinhança... Da água, que faz som no chuveiro, na torneira, nas garrafas e nas chuvas. O som da mão coçando a cabeça e até das mastigadas durante o almoço. 
Só Carlos ouvia. Incessantemente, os sons que estamos acostumados a esquecer. 
E é por isso que Carlos gritava, ele queria a harmonia disso tudo. E também queria emitir sons, mas queria o som mais potente. Queria esquecer toda essa bagunça de sons. Então ele gritava. E gritava o mais alto que podia. 
Hoje Carlos é regente de orquestra. Com os ouvidos em harmonia, ele grita com as mãos!

(19 de outubro de 2013)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Pequena alegria do dia: ouvir o som dos pássaros ao amanhecer, bem-ti-vis, sabiás, joões-de-barro, saís-azuis, e até os pardaizinhos...

Pequena tristeza do dia: ver um idoso tentar atravessar a rua movimentada, enquanto pede para que o ônibus o espere, em vão...

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O Sufocante Milagre do Esquecimento


Uma das piores sensações do mundo: a do pós-piloto automático. Quando você se dá conta que fez uma porção de coisas, das quais não há o mínimo registro em sua memória. Nada é mais angustiante que o esquecimento.
O piloto automático é o escape para uma rotina saturada de memórias inúteis. É como se parte do meu cérebro tivesse sido sugado por um buraco negro, lá para a zona fantasma do esquecimento. Como se o meu passado fosse um corpo, e lhe faltasse o braço inteiro.

Que foi que eu fiz, José?

Da ultima vez, era dia de viagem, acordei. Cinco horas da manhã. Terminei de arrumar as malas, a cama, troquei a roupa, pus as malas no carro, afaguei o cachorro, me despedi de meu pai, entrei no ônibus e dormi.
Acordei ás oito horas.
E, minha memória se restringe ao despertar e arrumar a cama. Nada há de arquivado das cinco e dez às oito horas!!! E o pior, só a noite, quando cheguei no meu real destino (depois de dois ônibus, um avião e três Estados) é que me dei conta.
Desespero total.
Terei, eu, deixado de fazer algo importante? 
O afago no cão foi o suficiente para ganhar da sua insatisfação pela minha partida? Fui amável o suficiente com meu velho, que almoçará e jantará sozinho, sem conversas? 
Detalhes pequenos, mas que não indícios de algo maior. Um dia poderei esquecer as chaves,  o rosto de meu pai, o cheiro de meu amor...?
Tudo bem, Pope, você tem certa razão, o ato de esquecer tem seu certo brilho, mas não eterno. Cada memória acumulada pode abrir uma ferida no peito O  dia em que se foi humilhado, a primeira traição, a morte dos avós e depois dos pais - ou pior, dos filhos. A saudade dos amigos que moram longe, dos sabores da infância... Aquela memória de quando perdemos a inocência de uma vez por todas.
Mas o que seria de nós no completo esquecimento?
Felizes dos que lembram e, choram. 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

.

Quando uma simples notícia é capaz de dar fluidez a toda uma correnteza que jazia em duvidosa paz. Despertar de um sono apático para o renascimento doloroso do coração. Ainda frágil. Florescem ideias e sentimentos que os olhos tornam palavras, e as mãos lágrimas.
Não é um rio, é um mar inteiro, silencioso. 
Foi este o resultado da volta da minha memória.


Agora eu sei, nosso cordão umbilical nunca será cortado...

sexta-feira, 31 de maio de 2013

A Verdade do Homem


'A vida adora me dar chutes no estomago', pensou, quando sentado em frente ao espelho.


Mas não seria ele quem cria essa realidade assim como o espelho cria a sua imagem? Imagem dotada de verossimilhança, à medida que o próprio homem a ser refletido se reconhece. Não é a realidade.
É um mundo completamente igual, aos olhos do expectador, mas reserva a sua diferença à medida que a imagem não emite sons e transparece emoções mudas, sem perspectiva, tal qual um fantoche.
'Somos nossas próprias marionetes!', disse em voz alta, depois de minutos de introspecção. E o homem a sua frente apenas mexeu os lábios.
Suas rugas seriam exatamente as rugas que ele vê, seus olhos realmente seriam caídos, dando a noção de cansaço que sempre encontrou em si? Só se reconhece a medida que o espelho reflete as características que ele julga possuir, e que outros, assim também o fazem.
'Aparência, outros nos julgam segundo o que podem entender de nós, e assim, também nos julgamos'. É como se a vida inteira fosse falsa. Como se todos nós fossemos uma falsidade inócua. É que existem paralelos: a vida que julgamos viver, de acordo com nossas aparência de mundo e si, e do outro lado, a vida. Vida real? A partir desta ideia, pressupõe-se que vários mundos existem, e a cada segundo o homem cria mais um, quando marioneteia-se diante de outros olhos e dos próprios.


Cansou da auto-contemplação, quebrou o espelho e resolveu, de imediato, pregar a falsidade do universo, como único dogma verdadeiro.


domingo, 19 de maio de 2013

A vida é assim, ambígua, mas genérica.
Na hora do parto, quem dá á luz é a parteira, enquanto a parturiente ainda sofre as dores e, impaciente espera pelo rompimento da bolsa.
"Rompa-se.
Para que de um estrondo choroso nova vida se faça."

segunda-feira, 29 de abril de 2013

 – Sabem o que eu queria para hoje? 
A leveza dos filmes de amor estampada nos rostos de todo mundo!

quarta-feira, 27 de março de 2013

Caminho livremente pelas ruas. O sol de outono insiste em ser verão e queima. Há tanta claridade e eu gosto, procuro ouvir o som do mundo. Carros, buzinas, vendedores ambulantes, pássaros, musica sertaneja.
E eu passo por vários corpos e não há toque, apenas movimento, este que parece incansável e tão permeado de sincronismo. E eu não vejo os rostos... porque todos olham para baixo? 
E o pobre diabo aqui, com o nariz empinado, 'mó' arrogante. 
Parece medo de encarar a vida de frente.
Parece cansaço de encarar a vida de frente. 
Parece que eu é que sou ingênuo e vejo beleza em qualquer lugar.


(21 de março de 2013)

quinta-feira, 21 de março de 2013

Ser, o social.

O homem é um zoon politikon, é social, mas é animal; linha tênue que, às vezes, para não dizer sempre, é difícil de distinguir - na roda, quando todos estão, alto, a falar, o animal parece calar-se, observa, não sabe reagir. É que a natureza não tem palavra. À sós, cria um mundo inteiro: ideias, politicas, razões e números... 

Ou será o oposto?

E de quê serve tudo isto, para no fim, desaparecer, com a morte? 

Mas a arte é eterna, já dizem. Muito mais que a economia, a política, o capital ou o social, valor de uso, valor de troca. Valor. Na arte nos encontramos, sujos, sedentos, lascivos e belos. O outro não é só um alvo, um interesse, um número, é nós. Na arte, somos todos e apenas homens. Mas o que é o homem?

Mas o que é tudo isso? O que são todos esses signos?

terça-feira, 19 de março de 2013

Nessa rima eu asso

Fracasso, a sensação que me prenda à laço nesse espaço. Até parece que estou no hiperespaço, ou então perdido num Paço. E eu, que só queria me afogar no seu melaço, te dar um amasso, estou viciado no seu cigarro, no seu maço. É que na verdade meu coração transborda, não está escasso. Não sou nem devasso, apenas trespasso por um erro crasso!

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Brasileiros: ninguém sabe quem eles são

Às sete da manhã, ele acorda, todos os dias. Sem banho, bota a calça jeans, os sapatos, a melhor camisa - passada e  engomada, sempre branca, bege, rosa claro... Come porque é obrigado a comer e saí às ruas. Está vestido com sua armadura: ombros erguidos em uma postura fechada e face casmurra. Desfila a sua magreza, a sua pele negra e o seu "cabelo ruim", todos os dias.  
Todos os dias ele saí de casa, no bairro distante,  sem ônibus que queira pegar. Ele anda; anda do bairro  ao centro, do centro ao outro bairro, trajeto que dura quase a manhã inteira. 
Ninguém sabe se ele almoça. 
No final da tarde, do outro bairro ao centro, do centro ao seu bairro e à sua casa ele retorna. Vestido com sua armadura. 
Ele é velho, apesar dos fartos cabelos marrons em seu médio "black power" (nem sequer um branco), não usa aliança, mas tem perfume de mulher nas roupas e poderia ser avô. Ninguém sabe quem ele é, ninguém sabe se realmente tem mulher ou filhos, mas todos sabem que ele é negro, velho. Parece indigente, mas não é, pelas roupas limpas que sempre veste - principalmente a camisa passada e engomada, sempre branca, bege, rosa claro...
Todos os dias, ele anda, todos os dias ele passa por vários rostos, casmurros como o dele, suaves, infantis, cansados, melancólicos... Mas estes rostos não o vêem. Ele é uma sombra, uma armadura que quando detectada causa medo e repulsa.
Ele é João, brasileiro.
Às oito da manhã ela acorda, porque a acordam, todos os dias. Toma banho, obrigada. Veste as roupas, sempre saia média, meia-calça cor de pele, sapato baixo, "tipo freira". Seus cabelos já bem grisalhos e nunca pintados são feitos em coque. Sua expressão é cansada. 
Não sei se come. 
Todos os dias, ao sair de casa, ela pega guarda-chuva e ônibus, sempre o que quer pegar e não o que deveria. Vai ao mercado, anda, anda e anda, pega as verduras e sai. Pega outro ônibus, este sempre é o que deve. Ela vai ao calçadão da cidade, por vezes, come algo por lá. 
Sua expressão é cansada mas a voz é potente. Anda do inicio ao final do calçadão, esbravejando em favor da moral e dos bons costumes. A menina de saia e decote que se cuide, para não virar motivo para o seu sermão.
Do final ao início  do calçadão ela esbraveja em favor da moral e dos bons costumes, de Deus e do que mais lhe vem na cabeça.
Muitos passam por lá mas estes ouvidos não a ouvem. Os olhos ligeiros, reparam a sua expressão exaltada, causando medo e repulsa. Os mais jovens fogem velozes, principalmente quando interpelados. 
Ninguém sabe porque ele fala essas coisas, a tarde inteira, todos os dias. Mas todos sabem que ela é parda, velha e não fala nada com nada. Desfila pelo calçadão as suas sentenças, desfila o cabelo grisalho, a saia média, a meia-calça cor de pele e o sapato baixo "tipo freira". Seus cabelos feitos em coque quase desmancham. Tem cara de viúva que perdeu também os filhos. Mas alguém cuida dela, porque as roupas são limpas. 
Todos os dias, no final da tarde, ela pega o ônibus, desta vez sempre o mesmo, e chega em casa. 
A sua expressão é cansada. 
Ela é Maria, brasileira.
Às vezes quando João passa pelo calçadão, Maria já está lá. Ela não o vê, e ele não a escuta. E todos os dias, ninguém se pergunta quem eles são, nem porque João é casmurro e Maria cansada.  

Brasileiros: ninguém sabe quem eles são

Às sete da manhã, ele acorda, todos os dias. Sem banho, bota a calça jeans, os sapatos, a melhor camisa - passada e  engomada, sempre branca, bege, rosa claro... Come porque é obrigado a comer e saí às ruas. Está vestido com sua armadura: ombros erguidos em uma postura fechada e face casmurra. Desfila a sua magreza, a sua pele negra e o seu "cabelo ruim", todos os dias.  
Todos os dias ele saí de casa, no bairro distante,  sem ônibus que queira pegar. Ele anda; anda do bairro  ao centro, do centro ao outro bairro, trajeto que dura quase a manhã inteira. 
Ninguém sabe se ele almoça. 
No final da tarde, do outro bairro ao centro, do centro ao seu bairro e à sua casa ele retorna. Vestido com sua armadura. 
Ele é velho, apesar dos fartos cabelos marrons em seu médio "black power" (nem sequer um branco), não usa aliança, mas tem perfume de mulher nas roupas e poderia ser avô. Ninguém sabe quem ele é, ninguém sabe se realmente tem mulher ou filhos, mas todos sabem que ele é negro, velho. Parece indigente, mas não é, pelas roupas limpas que sempre veste - principalmente a camisa passada e engomada, sempre branca, bege, rosa claro...
Todos os dias, ele anda, todos os dias ele passa por vários rostos, casmurros como o dele, suaves, infantis, cansados, melancólicos... Mas estes rostos não o vêem. Ele é uma sombra, uma armadura que quando detectada causa medo e repulsa.
Ele é João, brasileiro.
Às oito da manhã ela acorda, porque a acordam, todos os dias. Toma banho, obrigada. Veste as roupas, sempre saia média, meia-calça cor de pele, sapato baixo, "tipo freira". Seus cabelos já bem grisalhos e nunca pintados são feitos em coque. Sua expressão é cansada. 
Não sei se come. 
Todos os dias, ao sair de casa, ela pega guarda-chuva e ônibus, sempre o que quer pegar e não o que deveria. Vai ao mercado, anda, anda e anda, pega as verduras e sai. Pega outro ônibus, este sempre é o que deve. Ela vai ao calçadão da cidade, por vezes, come algo por lá. 
Sua expressão é cansada mas a voz é potente. Anda do inicio ao final do calçadão, esbravejando em favor da moral e dos bons costumes. A menina de saia e decote que se cuide, para não virar motivo para o seu sermão.
Do final ao início  do calçadão ela esbraveja em favor da moral e dos bons costumes, de Deus e do que mais lhe vem na cabeça.
Muitos passam por lá mas estes ouvidos não a ouvem. Os olhos ligeiros, reparam a sua expressão exaltada, causando medo e repulsa. Os mais jovens fogem velozes, principalmente quando interpelados. 
Ninguém sabe porque ele fala essas coisas, a tarde inteira, todos os dias. Mas todos sabem que ela é parda, velha e não fala nada com nada. Desfila pelo calçadão as suas sentenças, desfila o cabelo grisalho, a saia média, a meia-calça cor de pele e o sapato baixo "tipo freira". Seus cabelos feitos em coque quase desmancham. Tem cara de viúva que perdeu também os filhos. Mas alguém cuida dela, porque as roupas são limpas. 
Todos os dias, no final da tarde, ela pega o ônibus, desta vez sempre o mesmo, e chega em casa. 
A sua expressão é cansada. 
Ela é Maria, brasileira.
Às vezes quando João passa pelo calçadão, Maria já está lá. Ela não o vê, e ele não a escuta. E todos os dias, ninguém se pergunta quem eles são, nem porque João é casmurro e Maria cansada.  

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Três (não) atos.

Há cinco anos seus olhos me fitaram pela ultima vez, embebidos de lágrimas de ódio. E, embora silêncio fosse a única palavra dita, ainda posso ouvir seu grito, em desespero embargado: "Porque você não morre?"
Agora são meus olhos que a fitam. Sem pensamentos. Sem ações. Porque, diabos, estou eu aqui? Minha presença só será incômodos - nós juramos nunca mais palavra, olhar e gesto. E nesta noite, impossível não notar a sua beleza, tão mulher: vestido simples, vermelho tão rouge. É que nesta noite ela é o centro das atenções, ganhou o que sempre sonhara, ser (Ser!) uma escritora de renome, noite de prêmios, esta.
Esta, é comemoração radiante.
É um hotel e quase todos os convidados dormirão aqui. Alguém, com ela, dormirá? Posso sentir, pelo seu corpo, olhos desejosos, macio... Santo deus!

***

Hora dos discursos. Estão todos com taças de mil espumantes nas mãos. Seu sorriso irradia uma felicidade bêbada e é a sua hora de falar, então. Tanta potência na voz, meu cristo, como essa menina cresceu! De um cantinho sem sol para ser o sol de todos.
Agora, enquanto ela discursa, estou à frente, dez metros de distância, é a hora dos discursos, é a hora do discurso dela, é a hora de ela me notar... Ergue a taça, me olha (finalmente!) e agora (agora de novo) o mundo parou, para que novamente possamos nos olhar perplexos? Não... todos estão perplexos, os gestos da minha doce menina pararam, já não olha mais para mim, a sua voz sumiu como se alguém tivesse apenas abaixado o volume e desligado seu corpo. 
A estrela da noite desmaia. É muita emoção para minha pequenina. Ao menos foi o que ela disse,  recobrando os sentidos, bem como, o que a imprensa noticiará amanhã. Eu sei que fui eu. Enquanto ela se retira para o quarto, atuando uma indisposição, procura-me na multidão. Vai, procura!! Que eu desapareço, com um grande sorriso nos lábios. Ainda sou nocivo à pequenina. 
Vou até seu quarto. 
(Ainda não sei  o que faço).

***

Três batidas da porta. Ela manda entrar, com a mesma voz eloquente de minutos antes. Pensa ser um tal de Augusto, pede que espere no quarto, que ela está no banheiro. Mas eu não aguento esperar, preciso ir lá... Abafo meus passos para que ela não reconheça as minhas pisadas de brigadeiro aposentado. Seu cheiro doce (e enjoativo) de rosas exala por todos os cantos deste quarto de hotel. Poderia dizer que ela viveu todos os seus dias aqui. Cada detalhe é ela. 
A porta do banheiro está entreaberta. Ao ouvir o ranger, ela repreende: "Augusto, já disse que não gosto quando entra no banh... Você!?" 
Dizer que o choque se instalou em seu respirar é demasiado mesquinho e efêmero. Apenas sua face endureceu, e não há surpresa em seus olhos sombrios. 
Porque está em uma banheira cheia de travesseiros?, excêntrico como ela sempre foi. Se eu realmente perguntar ela dirá: banheiras sempre foram confortáveis, apenas troquei a água pelos travesseiros, a sensação de relaxamento é a mesma, e eu não preciso me molhar. O que faz aqui? E eu diria, o papai voltou para cuidar de você minha pequenina, amor de minha vida.
Mas não...
Se é ela quem sempre embargou a voz e não conseguiu falar, agora é minha vez. Estou eu em choque. (Porque eu?) Não me movo, apenas a olho, estendida na banheira, confortavelmente, ela olha para a frente, e parece não querer me dar nem um segundo de seus olhos. 
Eu nunca fui bom pai, e ela nunca foi tão gostosa como agora (agora!)...

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Um pecado necessário

Obras em hospitais são tão horripilantes e nauseabundas, na mesma quantia em que são completamente imprescindíveis. Um hospital precisa atender aos seus doentes com excelência em todas as esferas – e acredito, isso não é exigir de mais. Entretanto, porém e todavia... qualquer homem que entre em um hospital com obras as sentirá como pecado puro. Se sentirá doente, estando ou não. O barulho das brocas e das marteladas estremecem o corpo. Tão alto é o som, que qualquer um poderia jurar que lhe sai da própria cabeça, como se um pequeno animal estivesse martelando seu crânio. Procurando sair. Loucura. Pecado. 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A falena e a luz sibilante


Queria ser no instante de agora o instante nada, ser a liberdade pura, que é a mesma coisa. Desejo enfim, ser solidão. Não queria sair deste quarto repugnante e pungente. Não queria jantar, o contato com a comida é sair da solidão, é estar preso ao próprio instinto animal. Queria menos ainda contatos humanos, banais, medíocres ou sibilantes. Aguentar a mim mesma é mesmo difícil nessas horas, os outros, são, na mesma medida os outros, os corpos estranhos e inatingíveis que me dão medo na mesma proporção que dão à tímida infante. Eu não aguento os outros.
Queria o impossível, a negação da negação, que não, não é a síntese. É o nada. Queria estar morta, mas não morrer, não o suicidar-se, não o homicídio, apenas estar morta, a sete palmos do chão que todos nós pisamos, nos tempos de hoje, raramente descalços.
Queria portanto o Impossível.
Queria telefonar-te e dizer: vem. Mas não seria você quem estaria aqui. E não seria eu. No instante de agora eu não sou eu, nem tu, nem nós, eu sou o vácuo sem ser o nada. Queria escutar-te a ligeira Petulância, o quase sempre descarado supérfluo Superficial, e a irresistível e irritante Sensualidade que exala da sua respiração. Que eu nem sei mais como é. Eu não sei quem você é, nessa abstração onde só cabe idealismo. O amor é um ideal, que no instante de agora renego e desejo, desesperadamente. Como a falena que sai ao encontro da lâmpada, para morrer no mesmo instante que atinge seu objetivo.
Eu sou a falena que morre todos os dias, pois corre e encontra a luz todas as noites. Mas eu não renasço das cinzas. Sou apenas pó.