sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Um conto para velhas crianças

Estava uma vez, no ônibus, era uma das muitas viagens que fazia à trabalho, e foram tantas que nem me lembro o destino desta e reparei em um doce menininho, de uns 5 anos. Um menino muito, muito doce.  Era uma criança quieta, que não importunava a mãe com perguntas sobre quanto tempo a viagem iria demorar, não gritava e não perturbava os outros passageiros...
O menino logo ganhou a minha atenção, porque olhando a janela, daquele início de manhã disse à mãe, suavemente:
- Olha mãe, a lua, ela tá caindo, a Lua vai cair mãe, ela tá caindo, ela tá caindo, caindo...
Aquela observação foi tão divertida e bela que um senhor, com seus, talvez, 80 anos, já de cabelos brancos, olhos profundos por trás do óculos, e de uma elegância impecável se virou para o menino e falou:
- É, a Lua todo dia sobe no céu, e depois vai caindo e caindo. E o Sol também faz isso sabia?
O menino, cheio de curiosidade, tirou os olhos da janela e se virou para o seu interlocutor à espera de mais informações sobre aquele estranho fenômeno dos astros que acabara que descobrir.
- E porquê eles fazem isso??
- Ah, isso é uma estória longa, lá de quando o Universo foi criado e a Lua e o Sol eram jovens.
E os olhos do menino cresciam ao analisar as palavras do velho.
- O Sol e a Lua, logo que se conheceram se apaixonaram perdidamente, mas era um amor impossível, por conta de suas tarefas irremediáveis. É que o Sol, teve o destino de iluminar uma galáxia inteira, dado o tamanho de sua luz, já à Lua, mais discreta e com uma luz mais suave, o de iluminar as noites para mostrar o caminho aos viajantes. Com os seus trabalhos eram muitos distintos, eles não poderiam ficar juntos e nunca mais se veriam.
Então eles buscaram todos os sábios do universo em formação, queixando-se de seus trabalhos e procurando uma solução. Contudo, ninguém pôde ajudar-lhes já que suas tarefas foram recebidas de acordo com a natureza de cada um, a busca só fez tornar conhecido a esse Universo o conceito de amor impossível,
Até que em um momento, a Terra, que deveria escolher suas luas e um astro para iluminar-lhe, comoveu-se com o desespero dos amantes. Sabe menino, a Terra era um ser adorável, rico em bondade, desistiu do propósito de possuir várias luas, escolhendo apenas aquela Lua, também desistiu de ser o primeiro planeta a receber a luz de um astro em determinada galáxia. Assim, conversou com outros planetas, para que pudesse ser o terceiro planeta a ser iluminado pelo Sol, também convenceu Mercúrio e Vênus de escolherem o Sol como seu astro, é claro.
- Mas isso não é uma solução, o menino brandou calmamente, o trabalho deles continua a ser irremediável, como você falou.
- Sim, a Lua e  o Sol fizerem essa mesma indagação à Terra, mas o que ela tinha em mente não era mudar o destino dos dois amantes, mas apenas achar uma saída. Essa saída já era conhecida, e então, ela explicou: "Eu, como planeta, devo rodar em torno do Sol, e em torno de mim mesma, o que faz, do meu ponto de vista, que o Sol suba aos céus todas as manhãs e desça a cada noite que se inicia. A Lua, como gira ao meu redor, só estará no céu às noites, em momentos muito diferentes do Sol, ela escalará os céus ao cair da noite e deverá cair aos poucos assim que se inicia o dia, Já que as coisas funcionaram assim, vocês podem perceber que no início das manhãs e no findar das mesmas, vocês dois estarão nos céus, ao mesmo tempo e então poderão se encontrar todos os dias, por pouco tempo, mas é só assim que poderá acontecer..."
O Sol e a Lua ficaram maravilhados, a solução finalmente foi encontrada e logo eles começaram seus trabalhos, pois a Via Láctea, a galáxia deles, já estava praticamente formada.
E desde então, cada um sobe aos céus, nos seus devidos momentos e por segundos se encontram, para se amarem e matarem a saudade que sentem um do outro!!
- Que legal!! Mãe, isso é verdade?? Mas e o eclipse?
A mãe, que estava adorando a estória do velho, apenas acenou que sim com a cabeça e deixou o velho responder.
- Ora, o eclipse é um dos raros momentos concedidos pelo criador do Universo aos amantes, para que passem mais tempo juntos!!
- Ao fim da estória a viagem também terminou, nunca mais vi nenhum daqueles passageiros, o velho e a criança também não se viram mais, já que aquele elegante senhor contador de estórias logo morreu de velhice. O que é uma pena, já que aquele menino, mesmo depois de anos, continuou a olhar os céus, todos os dias - ao amanhecer e entardecer - pensando na felicidade da Lua e do Sol ao se encontrarem, mesmo sabendo ser essa apenas uma doce estória.

domingo, 23 de novembro de 2014

Fui a Curitiba e senti as quatro estações de Vivaldi, vi chaves nas calçadas do centro, passei por uma cigana misteriosa jurando um futuro bom na palma de minha mão, e até mesmo, no alto de um prédio, vi  uma estátua de águia, com duas cabeças, 
Mas fiquei triste, é que passei por um ônibus que todos os dias vai à Solitude. 

sábado, 8 de novembro de 2014

"Ode" ao fim de um ciclo

 Momento de quando as clareiras de um riso luminoso, de um devir cheio de ânsias e sofrências, impetuoso por sentir ao intermédio da eternidade, o magnetismo dos gestos, a suavidade do olhar e calmaria de todas as presenças e ausências se esvanece, na sombra da dúvida.
Ah Tempo, suas águas sempre foram inflamáveis, mas da dor, a agudez só resta a lembrança, porque minhas convicções são a soma das piadas mal contadas pelo palhado que, desesperado, já não sabe mais sorrir. Resisti o quanto pude, mas as feridas que o senhor reinou em pungir-me, agora cicatrizam em dura pele, na qual os gestos magnéticos não alcançam mais a seiva. Resisti, mas o olhar agora é mais dissimulado que Capitu – que jaz onde a inocência teima. Resisti, mas viajar entre extremos, subir aos céus e dar a cara na terra e mergulhar cego no breu do inferno, fez da clareira luminosa um sorriso de fogo.
Ah Tempo, será que de tanto inflamar-me o rio de sangue que corre em mim, serás capaz de restituir a credulidade perdida, sem que se faça apoiar na transcendência de uma fé inconteste e tão perigosa quanto o ceticismo cruel e patético? Apesar do amargor que não vejo escorrer, recuso igualar-me àquele que de tanto sentir o sangue arrebatado teve o coração tornado veredas e as palavras ornadas de ódio. Com um devir mais ferino que político, vago entre tantos outros que resistiram, igualmente, e caíram na armadilha do viver automático, à contrariar o Livro dos Contrários, a ordem é a mentira sob a qual o caos se esconde.
Ah Tempo, me conceda finalmente esta primeira dança, porque necessito da música ensandecida e da frieza aguda, porque, finalmente, se a honra me concederes, findo estará o prólogo de minha vida. 

domingo, 7 de setembro de 2014

Repetições de vida e morte

Acabo de passar ao lado de um cemitério “dos pobres” – porque até nisso o dinheiro, infelizmente, faz diferença – e só pude ver vida e resistência ali. Se, durante a vida os questionamentos sobre a morte não cessam e se multiplicam teorias sobre a sua natureza, é tão verdade que a vida se faz o pressuposto da morte. Tanta vida enterrada, debaixo de cruzes, grama, terra. Tanta vida por entre o ar e as ruas, por entre as pedras e as paredes. Tanta vida passada: dois bilhões de anos... e tanta vida jogada fora.

Faz-me pensar que a morte é um artifício humano, assim como os números e as medidas em geral, como a cultura e o sistema econômico, para fazer essa mesma vida suportável. O peso do inevitável e imprevisível nos assola. Precisamos e tememos a morte porque o furor da vida é tensão demasiada para nós.

Mas a vida nos becos, na sarjeta das madrugadas, nos malabares dos semáforos, nos latidos, nos voos, no cheiro de mato ou na falta de perfume apenas, assusta mais. Tememos mais ainda a liberdade dessa vida desvairada e desmedida – palavra que há quem diga que é mais uma invenção, assim como os números e as medidas em geral, como a cultura e o sistema econômico.

E eu, apenas desejo o sorriso largo da menina daqueles malabares loucos, desejo o correr desenfreado da criança no parque, o sexo do primeiro encontro, a voz do cantor de rua, os olhos de quem viu a morte e a liberdade daquele, e somente daquele que já teve a vida e a morte acorrentados à outrem.



E isso, é apenas uma repetição de mil palavras já ditas,

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Rabiscos de vida...

Antes de voltar para casa, já cansado da rotina, o homem sentou-se no banco da praça e relembrou a conversa da noite anterior: Ao dar boa noite para o filho, reparou que ele chorava. Perguntando-lhe o que havia ocorrido, o menino respondeu, com a simplicidade de ser criança "Pai, não consigo me lembrar direito do rosto da mamãe, eu vou esquecer dela??" Sem saber o que responder, o homem apenas lhe disse: "Dorme que passa, meu filho."
Mas tal desmemória não angustiava apenas a criança, tanto que Eduardo passou alguns minutos absorto em seus pensamentos, sem saber como encarar o filho. E, logo uma moça sentou ao seu lado - perguntou se ele estava bem. Desmoronou, desabafou, contou o ocorrido, sem mais perguntas, sem mais apresentações.
Na sua ingenuidade, a moça, contando com apenas 18 anos, respondeu que o problema não era tanto o esquecimento, mas a falta de memória: "Sabe, eu não conheci meu avô, mas meus pais sempre contaram histórias dele, como ele era amoroso comigo (e com todos), como me me pegava no colo quando bebê, a paz que ele trazia. E, eu acho que é por isso que eu sempre me senti perto dele, com muito amor. Talvez se você, a cada dia, falasse dela pra ele? Quem sabe a saudade diminuiria, tanto a dele, como a sua. Falar de alguém é uma maneira de estar próximo dessa pessoa..."
Estupefato, Eduardo ergueu, pela primeira vez, a cabeça, olhou para a moça e agradeceu dizendo-lhe que ela deveria ser poeta. Com uma risada leve e distante a moça disse que era apenas uma estudante de história "... que há muito não escrevia, que há muito não sentia."
"Sem sentimento? Se as suas palavras são ausentes disso, eu realmente estou perdendo a cabeça!" Dito isto ele levantou, com mais ânimo e sempre com dificuldade em palavras, sorriu brevemente e desejou que ela voltasse a sentir.

***

Passado semana, a angústia de Eduardo sumiu, dando lugar a outro sentimento, meio pesado, mas sem dúvida com um objeto mais leve: àquela moça. Precisava encontrá-la, dizer algo, agradecer melhor, retribuir, fazer algo, enfim. Tanto, mais tanto, que passou um dia inteiro no mesmo banco, da mesma praça, até, por um quase milagre, avistá-la. Dando conta de quem era, a moça parou e Eduardo estendeu-lhe um envelope: "Abra! É um presente."
Com um certo receio, mais muito curiosa a moça abriu o envelope. Era uma pequena carta, do filho daquele homem que afoito estava a sua frente, tão diferente daquele dia. Humildemente o menino agradecia: "Obrigado moça da história, graças à você estou mais perto da mamãe, e do papai também. Você deve ser um anjo".
A moça, Mariana, conteve o choro, e Eduardo lhe disse que precisava retribuir a ajuda, e que entregar o que o filho escreveu era o meio mais sincero. Não houve abraço, não houve perguntas, nem apresentações. Cada um seguiu seu caminho, o homem sorria, a moça queria escrever e pensava " ter do que lembrar é sempre a dor mais necessária."

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Água pra lavar lágrimas

Por Bruno Brandi Lichacovski

A gota, era só uma gota, que um dia ascendeu aos céus, nascida do vapor, do frio e do calor, forjada nas nuvens, tecida nas alturas. Ela escorria por entre montes acinzentados de massa intangível, precipitava para o momento que teria que se jogar, saltar corajosamente de encontro à gravidade. E enquanto ela cai, nós olhamos o céu: "será que chove?" - diz a senhora de meia-idade ao taxista que por sua vez resmunga (já pensando no passageiro que teria que buscar dali a 15 minutos): "tá com cara".
Impassivelmente os dois se distanciam sem saber que gostavam de ver os pássaros comendo farelos de lixo na praça sempre que se pegavam desatentos na rua. 
Ela desceu, pagou a corrida (claro que pensando 3 vezes no preço da passagem do ônibus e do quanto economizaria se não fosse tão preguiçosa e ranzinza), correu, quando os pingos começaram a se quebrar contra o chão duro do asfalto e do concreto. À medida que os pedaços de água iam se desfazendo em poças amorfas ela ia estendendo os braços, abraçou os cachos negros do sobrinho que corria para o fora do prédio marrom desbotado: "Tia!" ... e prosseguiu: "Aprendi a escrever a letra F! É! A primeira do seu nome!" - "Que bom! Já sabe escrever! Um dia ainda será um grande jornalista.". - "O quê é um jornalista?" - "Alguém que pinta a vida e o mundo com as letras, cada um ao seu estilo.". ...
Um silêncio irrompe o amor trocado.
Em seguida um trovão rompante rasga o céu, o estrondo vem em menos de três segundos, quando se deram conta estavam já começando a se encharcar. 
Poucas quadras ali abaixo o taxista abastecia seu veículo enquanto fumava um cigarro. Parecia inquieto, afinal chuva atrapalha o serviço numa cidade média. Já não era moço para passar o dia inteiro na rua e também não tinha o suficiente para deixar de trabalhar. Tomou seu café, lançou a bituca longe, que escorreu com o fluxo d'água para dentro de um bueiro, e retornava ao seu ponto cotidiano - o seu cliente anterior havia desmarcado o futebol com os amigos, não iria mais precisar do táxi (não que o motorista soubesse disso) - avistou uma mulher magra como uma garça e de trejeitos delicados, mas rápidos e precisos, segurando entre os braços uma criança de cabelo encaracolado, preto, dormindo suavemente ao som da chuva. Dirigiam-se provavelmente ao Shopping, para sair com uma criança num dia chuvoso. Ele contemplou os dois absorto em sua distância, enquanto a gota deslizava pelo vidro.
Só então lembrou que talvez fizesse muito tempo que estara embriagado  pelo trabalho, pela dor de permanecer todo o dia só. Deixando as pessoas e as pessoas o deixando. Tudo por dinheiro.
O quê dessa vida se leva? Pensou alto... e embora distante, sem a mínima chance de haver escutado, a mulher volteou a cabeça em sua direção olhou-o e acabou por reconhecê-lo. Lançou um gentil sorriso enquanto carregava o menino - que profundamente ignorava qualquer coisa que não fosse a delicadeza de seu sono.
O homem resolveu sair do carro, correu para ajudar a pobre senhora de meia-idade que tinha no colo sua bolsa, uma criança de já uns 6 oito anos além de um guarda-chuvas. Iria oferecer carona para ambos, mas primeiro ajudar a mulher a transportar tudo até o carro - essa ideia havia despertado nele não só um sentimento de bondade e amor fraternal pela senhora, mas também abalara o que ele não acreditava ser capaz de sentir. Após as 3 primeiras passadas vigorosas em direção ao casal de idade  antagônica um pulsar violento o arrebata pelo peito, as pupilas encolhem ele para estarrecido: um ônibus descontrolado atinge a senhora e a criança... o sangue mistura-se com a água, lavam-se as vidas, e a gota... virará vapor, dançará nas nuvens e um dia, quem sabe, retornará para limpar o rosto choroso, e o coração amargurado do pobre homem que trabalhou todos os dias da sua vida que pode.