domingo, 7 de setembro de 2014

Repetições de vida e morte

Acabo de passar ao lado de um cemitério “dos pobres” – porque até nisso o dinheiro, infelizmente, faz diferença – e só pude ver vida e resistência ali. Se, durante a vida os questionamentos sobre a morte não cessam e se multiplicam teorias sobre a sua natureza, é tão verdade que a vida se faz o pressuposto da morte. Tanta vida enterrada, debaixo de cruzes, grama, terra. Tanta vida por entre o ar e as ruas, por entre as pedras e as paredes. Tanta vida passada: dois bilhões de anos... e tanta vida jogada fora.

Faz-me pensar que a morte é um artifício humano, assim como os números e as medidas em geral, como a cultura e o sistema econômico, para fazer essa mesma vida suportável. O peso do inevitável e imprevisível nos assola. Precisamos e tememos a morte porque o furor da vida é tensão demasiada para nós.

Mas a vida nos becos, na sarjeta das madrugadas, nos malabares dos semáforos, nos latidos, nos voos, no cheiro de mato ou na falta de perfume apenas, assusta mais. Tememos mais ainda a liberdade dessa vida desvairada e desmedida – palavra que há quem diga que é mais uma invenção, assim como os números e as medidas em geral, como a cultura e o sistema econômico.

E eu, apenas desejo o sorriso largo da menina daqueles malabares loucos, desejo o correr desenfreado da criança no parque, o sexo do primeiro encontro, a voz do cantor de rua, os olhos de quem viu a morte e a liberdade daquele, e somente daquele que já teve a vida e a morte acorrentados à outrem.



E isso, é apenas uma repetição de mil palavras já ditas,