sábado, 25 de junho de 2016

Desde muito cedo
vivi entrouxada nos livros.

Hoje ouço mais o apelo da vida,
e vivo
entrouxada nela.

domingo, 12 de junho de 2016

Conversa furada entre amiginhos.

No tribunal pós-moderno da inquisição, os juízes Donald Trump e Bolsonaro conversavam a respeito de relacionamentos gays:

quaestio facti: esse amor existe?
quaestio iuris: esse amor é licito?

Silogismo básico:

Premissa maior: Só humanos podem amar.
Premissa menor: Gays não são humanos.
Conclusão: Logo, gays não podem amar.

quaestio facti: não é amor.
quaestio iuris: isso é ilícito.


Segue-se outro silogismo:

Premissa maior: Gays não são humanos.
Premissa menor: Só é ilícito matar humanos.
Conclusão: Logo, matar gays não é ilícito.

A conversa termina com risadas: "esse Omar Mateen, ah.. que homem!, deveria ser glorificado hein?"

domingo, 5 de junho de 2016

Às experiências vividas e ao arquétipo da mulher-selvagem

(ou Balanço,
ou Waking life
ou Poema-prosa)


Ah doce, inconsistente e precipitada,
uma alma cheia de vísceras
e agora,
diante de um amor abortado
e outro
que apesar falência múltipla pela idade,
outros
insistem em manipular
como se pulsasse outra coisa que não
desespero.

Entre inúmeros acontecimentos
acordou,
cheia de um horror zombeteiro,
de um cansaço plácido,
é que despertou de outro modo, com outros olhos
– o demônio lhe esgueirou-se à noite.
Depois de muito tempo
enfrentando o olhar retornado do próprio abismo,
o aborto daquele amor
estremeceu
terras estrangeiras, esquecidas
– reconciliou-se.
Não sem dor, não sem o rasgar da carne,
não sem o ruir de um sonho breve.

Mas o sonho,
talvez ela dissesse,
é pra ser rasgado e a carne para ser breve.
E a vida no meio disso,
a vida grita, esbraveja e luta.
Pois é Drummond
a “vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia”,
não importa quantos espíritos negativos desejem,
falem,
velem o mal,
ela é muito mais do que a dor,
a organização perfeita e estéril de um armário de livros,
a vida é o riso,
seja de escárnio ou de bem-aventurança.
A vida é o precipitar-se da alma,
é o correr risco. 

Ela não só reconciliou-se,
fez um pacto diabólico
com o próprio abismo:
“aceito-te enfim, mas permita-me sempre
estender à mão para a terra mais lamacenta de seu ventre.”

Não posso dizer se o abismo concordou,
mas o jorrar do sangue voltou,
intenso..
intenso...
intenso....
e está vindo inundar palavras
e letras de um vermelho
rubro, liberto:
uma escrita que tento aqui recriar, hesitante,
trêmulo
porque aquela mulher,
que parece serenidade,
lua,
mel
e orvalho,
hoje é mulher-selva, selvagem, densa.

Olho-a daqui,
como se pudesse olhar o êxtase da intensidade,
como se pudesse personificá-lo,
mas sem mistificação,
preenchido de um orgulho ilustre.

E, se pudesse me ver, ainda mais este instante
diria: "é que toda morte é um desobrigar-se."

Sem mistificação, não sem mistério!?

Permaneço confuso e embrigado...