(ou A serena revolta dos brasileiros ou Investidas na última flor do Lácio)
Aliet era ainda muito jovem quando se apaixonou pela primeira vez. Era uma adolescente holandesa a dominar o inglês e o neerlandês, tendo aulas de francês, já almejando ser uma grande linguista, "entendedora" das mais vastas literaturas mundiais.Sua primeira paixão, quase platônica assim, não foi por um lindo rapaz, nem por qualquer outra moça, nem seus professores, ou primos ou um lindo cantor ou jogador de futebol. Aliet se apaixonou pelo português.
Em um café, certa tarde, um rapaz tímido, de olhos verdes e pele morena, recitou um poema desconhecido em uma língua desconhecida. Sem entender uma só palavra, Aliet chorou as lágrimas mais emocionadas de sua vida. O som das palavras ditas invadiam todo o seu corpo, fazendo-a estremecer, eram todas tão suaves, a pronúncia era tão límpida. O francês, nem muito menos o italiano eram o idioma dos apaixonados. Era aquela língua que chegou desconhecida, sem se apresentar, com toda a sua força, beleza e ternura.
Sem poder conter-se, foi atrás do jovem trovador, perguntar-lhe que língua era aquela, que parecia ser o idioma dos deuses e descobrindo o português logo tratou de transferir seu amor ao jovem, que se chamava João:
- Portuguese is the language spoken in Portugual, is not it?
- Yes, but the Portuguese is also spoken in Brazil and some African countries - teve como resposta.
Pensativa, tomou conhecimento nesta tarde, também, da sua ignorância, com este idioma era um novo mundo que se abria a sua frente e ela ansiava ardentemente saber mais sobre ele.
João, então, era um brasileiro residente em Portugal, aquele que lhe contou sobre os poetas dos dois países, sobre as culturas, a história e a gastronomia. Aliet não queria mais saber do "je sui Aliet", mas sim desse idioma que inventou a saudade e não pensou duas vezes em trocar as aulas de francês para português.
Sofreu com o relutância dos pais, sofreu com esta última flor do Lácio, complicada e traiçoeira.
E o tempo passou, João foi embora com a primeira desilusão amorosa, mas a paixão só crescia, e ela desejava visitar Portugal, Brasil, Moçambique, Cabo Verde, Timor Leste, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe e, sem esquecer, a Angola. E eram tantos países para visitar, tantas culturas diferentes. Tantas novas paixões.
Com Portugal, reconheceu seu poeta favorito: Fernando Pessoa e jurou poder comer pastéis de belém com o vinho do porto todos os dias. Com Moçambique se apaixonou por Mia Couto, seus poemas e contos fantásticos e com Cabo Verde ouviu Cesária Évora, se encontrou nas mornas e sentiu sodade. Tanto mais para se falar que aqui não cabe, mas seu encanto, a menina de seus olhos era o Brasil e seu samba e sua simpatia, o Brasil de Caetano, de Drummond, o Brasil dos olhos de ressaca de Capitu.
Aos trinta e cinco anos Aliet, realmente, virou uma linguista - especializada em língua portuguesa -, não tinha visitado nem Timor Leste e nem tantos outros países e sem dúvida já falava muito bem o idioma, apesar de esquecer palavras como "cunhado" e "travesseiro". Ela escolheu o Brasil como sua casa. E essa escolha veio com o incomodo que sentia ao constatar que sua paixão tinha um defeito: os portugueses falavam como se suas amígdalas fossem gigantes! E em todos os oito países era assim, exceto o Brasil, aqui todos os cantos eram limpos, claros e excepcionais. Como se, silenciosamente negassem apenas essa herança da colonização, quase um novo idioma.
Ficou, amou o Rio, a Bahia e também o Rio Grande gaúcho, amava ainda mais ver suas filhas voltarem da escola e chamarem mamãe, ela não era mommy nem mama, era simplesmente mamãe. Mas o melhor, ah... o melhor, era dizer sua palavra favorita, palavra que só os brasileiros conheciam. Com ela sempre recebia suas filhas. É que na casa de Aliet tinha cafuné todo dia.