E fumava o cigarro tranqüilamente, não pensava, sentia. Com se sente a dor de estar vivo, a vida partida ao meio; o reflexo no espelho, apesar de mudo, lhe fazia a mesma indagação: o que aconteceu? Talvez só o tempo que voltou, aos tempos de angústia discriminada e insensata. A grande alegria da manhã não lhe bastava, egoísta que era... talvez apenas desejasse novos horizontes... como o peregrino perdido no meio do deserto, talvez desejasse não desejar um rumo. A vida sem existência; não compreender é uma sorte, mais quem realmente compreende?
O espelho, apesar de inerte, também abriga a vida, e os outros através dele, conseguem descobrir o seu âmago, olhando ao fundo do seus olhos – os olhos do espelho, que mesmo mudos, falam em alto e bom som... mas é como se sussurrassem: acorde do sonho da vida. Naquele espectro de irrealidade que somente ele carrega, mais que ela, naquele momento, conseguia pressentir e sentia que poderia carregá-lo para o resto da vida. A mesma sensação, em horas obscuras: o que aconteceu?
Ou então, o que mudou? Que não poderia mais continuar, nem o mesmo caminho, nem ser a mesma pessoa, muito menos sentir as mesmas sensações com as mesmas pessoas. Só a sensação do cigarro lhe era familiar. Entretanto, nada familiar, porque nem a sua família lhe era familiar, menos o cachorro, tão íntimo do espelho, que descobria o âmago dela, através dele... sem que ela desconfiasse.
Perplexa de si, querendo esmagar-se, ou esmagar a angústia, a indagação, o vício pelo cigarro... o que aconteceu??
Muda de si.
3 comentários:
Fico sem saber o que comentar, quando tento entender cada dobra do que você escreve. De verdade.
De fala (mesmo) de si ou se você conta algo de algum fantasma.
Mas que belos são os textos dos aflitos, dos tristes e dos angustiados. Parece que sempre transbordam arte.
Estou à espera de novos textos...
Do "Leitor anônimo"
Muito bom a maneira como você coloca a angústica como uma espécie, por assim dizer, de dasein .
parabéns (y)
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