Momento de quando as clareiras de um riso luminoso, de um devir cheio
de ânsias e sofrências, impetuoso por sentir ao intermédio da
eternidade, o magnetismo dos gestos, a suavidade do olhar e calmaria
de todas as presenças e ausências se esvanece, na sombra da dúvida.
Ah Tempo, suas águas sempre foram inflamáveis, mas da dor, a agudez
só resta a lembrança, porque minhas convicções são a soma das
piadas mal contadas pelo palhado que, desesperado, já não sabe mais
sorrir. Resisti o quanto pude, mas as feridas que o senhor reinou em
pungir-me, agora cicatrizam em dura pele, na qual os gestos
magnéticos não alcançam mais a seiva. Resisti, mas o olhar agora é
mais dissimulado que Capitu – que jaz onde a inocência teima.
Resisti, mas viajar entre extremos, subir aos céus e dar a cara na
terra e mergulhar cego no breu do inferno, fez da clareira luminosa
um sorriso de fogo.
Ah Tempo, será que de tanto inflamar-me o rio de sangue que corre em
mim, serás capaz de restituir a credulidade perdida, sem que se faça
apoiar na transcendência de uma fé inconteste e tão perigosa
quanto o ceticismo cruel e patético? Apesar do amargor que não vejo
escorrer, recuso igualar-me àquele que de tanto sentir o sangue
arrebatado teve o coração tornado veredas e as palavras ornadas de
ódio. Com um devir mais ferino que
político, vago entre tantos outros que resistiram, igualmente, e
caíram na armadilha do viver automático, à contrariar o Livro dos
Contrários, a ordem é a mentira sob a qual o caos se esconde.
Ah Tempo, me conceda finalmente esta
primeira dança, porque necessito da música ensandecida e da frieza
aguda, porque, finalmente, se a honra me concederes, findo estará o
prólogo de minha vida.