domingo, 24 de maio de 2015

O ainda não e o não mais

No café, dois amigos conversavam. Aparentemente a respeito da deterioração de uma relação:
- Você não gosta de mudanças, não é?
- Não é isto, gosto de mudanças, o que não significa que não possa sofrer com elas. O que não suporto é esse interstício entre o velho e o novo. Essa sensação de vida suspensa, onde nada realmente acontece. O mundo parado e minha cabeça girando em velocidade ímpar. Os pensamentos não fluem, o novo não é cristalino. Não suporto a vida des-estentida e ...o passo amargo do caos. Não sou uma pessoa cômoda, sou uma pessoa de planos.
- Mas a vida é caos, meu caro.
- O problema não é o caos. É essa dobra do tempo. É essa situação, essa sensação de quando a calmaria já não existe e o caos ainda não se instalou.
- Então, se puder, antecipe o caos.
(Sorrisos...)
(23 de maio de 2015)
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Dedilhando imagens

Sinto saudade. Saudade das cortinas fechadas e das luzes, onde tudo era sépia, onde seu corpo se movia em um jogo de luz e sombra, escondendo-se e, em cada cena, a plenitude de suas feições. Saudade do seu espelho quebrado, onde sua imagem refletida paralisava-se em minha memória. Nele, o seu cabelo enrolado caía pelas costas e modelava sua cintura, enquanto seu sorriso inclinava-se para a direita. Nele, seus olhos refletiam-se, infinitamente e era a, sua pela, macia.
Um espelho que fascinava-me por mostrar sua silhueta em ângulos novos e como o rosa de sua pela era alaranjado, quando a luz refletia em seus mamilos e as dobras novas que se formavam nas mais diversas posições e como seu quadril transfigurava-se em mil tamanhos, ao bel prazer.
Invejo-o, pois ele desconhece censura e nele, o cheio docemente amargo de sua pela está impregnado. Só ele sabe como põe as meias, sentada na cadeira, como odeias o sutiã e só ele sabe como você movimenta-se na pura ausência de companhia.
É ele que conhece o seu rubor e as suas lágrimas, e o tom de sua voz quando cantas, sensores que meus olhos nunca captaram. É só ele tem o dom de vê-las pelos próprios olhos.
Quem me dera um dia quebrar este espelho e apagar todas as luzes. Nunca mais suas nuances seriam paralisadas e o espectro de cores da sua pele jamais seria percebido. Amaldiçoaria-a ao desconhecimento de si.

Mas a este papel renego. Mil vezes renego. Já que mesmo depois da morte, seu reflexo nele, jamais se apagaria. Em uma existência infinita, a memória do seu perfil, e dos seus gestos seria preservada. Só a natureza pode dar-te o esquecimento. Já eu, busco o reflexo de ti, em cada parte do meu ser, sem esquecer e sem, contudo, poder lembrar.

(20 de maio de 2015)

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