Jorginho era uma criança que
gostava dos silêncios e das conversas, então observava a tudo e a todos com
seus enormes olhos curiosos. Seus pais assistiam ao programa Provocações,
sempre que podiam, e ele mantinha-se acordado para espiar a televisão dos pais.
Sempre ficou muito impressionado. Eram tantos adultos que sabiam de tantas
coisas. Sentia-se pequeno diante da pergunta final: “o que é a vida?” Cada um
dos entrevistados ajeitava-se na cadeira, desconfortáveis, arrumavam a voz e,
então respondiam. Diversas respostas para uma única pergunta. Seria mesmo tão
difícil de responder? Talvez os adultos não soubessem de nada.
Diante disso, passou a
investigar com seus amigos, de escola, de bairro... e nenhum deles sabia responder,
alguns até sustentavam que a pergunta era absurda, boba, e não valia a pena ele
se preocupar com isso. Melhor mesmo era brincar de bola, videogame, pega-pega...
Mas o pequeno permanecia inconformado, precisava de uma resposta definitiva.
Passou então, já que os seus
iguais desprezavam a angústia de procurar a verdade, a indagar os adultos. Eles
recuavam, demonstravam o mesmo desconforto daquela gente sabida do Provocações.
Muitos até se irritavam com Jorginho: “porquê uma criança tão pequena vem com
indagações desse tipo?” O assunto chegou aos pais de Jorginho, que então,
ficaram sabendo que o menino via o programa escondido. Pediram muitas
desculpas, aos vizinhos, aos professores no colégio, aos adultos que eles
esbarravam na rua, pois o menino indagava a todos, batava ser adulto, ou
parecer um. Irritação que ele não entendia, será que eles não querem saber a
resposta? Não parecia possível.
A sentença final chegou rápido.
Ele estava proibido de fazer a pergunta, a quem quer que fosse, nem os
cachorros, ou os pássaros, ou as árvores. Nem mesmo às pedras ele poderia perguntar.
Jorginho ficou mais que
inconformado, ele ficou triste, cabisbaixo. Foi ao parquinho e não queria
brincar. Observou aquele mundo todo, de tantas pessoas e coisas e ninguém se
importava com a resposta, todos viviam bem ser saber o que é a vida. Belo
paradoxo. Mas então, um pequeno sopro de esperança vislumbrou em seus olhos ao
ver um senhor sentado. Ele parecia compartilhar a mesma tristeza e revolta de
Jorginho. Então o menino resolveu que seria a última vez que perguntaria a
alguém: " o que é a vida?", mesmo que a resposta não fosse
satisfatória.
“Oi!” O velho mal olhou para
Jorginho, mas vendo que ele não sairia de lá tão cedo, respondeu finalmente: “Oi...”
Sem hesitação, e mais certeiro que uma bala (ele gostaria dessa expressão), indagou:
“Senhor, o que é a vida?” O homem então, surpreendido, olhou fixo nos olhos do
menino, como se a pergunta tivesse lhe acendido uma última centelha no coração.
Ao menos, foi que ele achou perceber no homem, mal sabendo que se tratava de um
niilista e, que, provavelmente, seria a pior resposta que ele ouviria em toda a
sua vida.
Como todos os outros adultos
precedentes, o homem ajeitou-se no banco, procurando ficar hereto, testou a
voz, mas dessa vez, sem hesitar, respondeu: “A vida é um abismo que parece não
ter fim. Alguns acreditam que no final, haverá uma grande cama elástica que,
finalmente, os levara para um solo seguro. Outros acreditam que é preciso
ajudar aqueles que estão caindo na mesma velocidade para quem sabe, em
conjunto, parar de cair, segurar arduamente nas paredes, e alcançar um solo
seguro. Outros tantos, tiram proveito dos que caem na mesma velocidade,
procurando trapacear a descida, e subir alguns metros a mais. Mas nada disso, importa,
é um abismo, entende? O final é um chão duro, no qual todos bateremos nossas
faces!!!”
O homem falou quase sem pausas,
com uma eloquência invejável. Os olhos de Jorginho ficaram então maiores,
arregalados. Ele nunca esperaria uma resposta assim. Ficou imóvel e atônico,
não sabia o que responder ao homem e precisou de alguns minutos para
compreender a mensagem passada. E como se fosse ele que tivesse ficado sem ar,
encheu seus pulmões e retrucou:
“A vida é um abismo sem fim,
logo, basta aproveitar a queda-livre!!! É livre, não é? E nela cada um pode
fazer o que quiser, mesmo que seja não se preocupar em entender que está
caindo!” Soltou, por fim, um “eureca”. Aliviado sorriu, agradeceu ao homem com
um grande abraço que, embora, quase não correspondido, não fez a menor
diferença. Saiu de perto e foi direto para o escorregador.
Por fim, o homem levantou-se e
começou a caminhar, pensativo: “Os otimistas, gente incorrigível! ”