domingo, 4 de junho de 2017

Provocações de Jorginho

               Jorginho era uma criança que gostava dos silêncios e das conversas, então observava a tudo e a todos com seus enormes olhos curiosos. Seus pais assistiam ao programa Provocações, sempre que podiam, e ele mantinha-se acordado para espiar a televisão dos pais. Sempre ficou muito impressionado. Eram tantos adultos que sabiam de tantas coisas. Sentia-se pequeno diante da pergunta final: “o que é a vida?” Cada um dos entrevistados ajeitava-se na cadeira, desconfortáveis, arrumavam a voz e, então respondiam. Diversas respostas para uma única pergunta. Seria mesmo tão difícil de responder? Talvez os adultos não soubessem de nada.
Diante disso, passou a investigar com seus amigos, de escola, de bairro... e nenhum deles sabia responder, alguns até sustentavam que a pergunta era absurda, boba, e não valia a pena ele se preocupar com isso. Melhor mesmo era brincar de bola, videogame, pega-pega... Mas o pequeno permanecia inconformado, precisava de uma resposta definitiva.
Passou então, já que os seus iguais desprezavam a angústia de procurar a verdade, a indagar os adultos. Eles recuavam, demonstravam o mesmo desconforto daquela gente sabida do Provocações. Muitos até se irritavam com Jorginho: “porquê uma criança tão pequena vem com indagações desse tipo?” O assunto chegou aos pais de Jorginho, que então, ficaram sabendo que o menino via o programa escondido. Pediram muitas desculpas, aos vizinhos, aos professores no colégio, aos adultos que eles esbarravam na rua, pois o menino indagava a todos, batava ser adulto, ou parecer um. Irritação que ele não entendia, será que eles não querem saber a resposta? Não parecia possível.
A sentença final chegou rápido. Ele estava proibido de fazer a pergunta, a quem quer que fosse, nem os cachorros, ou os pássaros, ou as árvores. Nem mesmo às pedras ele poderia perguntar.
Jorginho ficou mais que inconformado, ele ficou triste, cabisbaixo. Foi ao parquinho e não queria brincar. Observou aquele mundo todo, de tantas pessoas e coisas e ninguém se importava com a resposta, todos viviam bem ser saber o que é a vida. Belo paradoxo. Mas então, um pequeno sopro de esperança vislumbrou em seus olhos ao ver um senhor sentado. Ele parecia compartilhar a mesma tristeza e revolta de Jorginho. Então o menino resolveu que seria a última vez que perguntaria a alguém: " o que é a vida?", mesmo que a resposta não fosse satisfatória.
“Oi!” O velho mal olhou para Jorginho, mas vendo que ele não sairia de lá tão cedo, respondeu finalmente: “Oi...” Sem hesitação, e mais certeiro que uma bala (ele gostaria dessa expressão), indagou: “Senhor, o que é a vida?” O homem então, surpreendido, olhou fixo nos olhos do menino, como se a pergunta tivesse lhe acendido uma última centelha no coração. Ao menos, foi que ele achou perceber no homem, mal sabendo que se tratava de um niilista e, que, provavelmente, seria a pior resposta que ele ouviria em toda a sua vida.
Como todos os outros adultos precedentes, o homem ajeitou-se no banco, procurando ficar hereto, testou a voz, mas dessa vez, sem hesitar, respondeu: “A vida é um abismo que parece não ter fim. Alguns acreditam que no final, haverá uma grande cama elástica que, finalmente, os levara para um solo seguro. Outros acreditam que é preciso ajudar aqueles que estão caindo na mesma velocidade para quem sabe, em conjunto, parar de cair, segurar arduamente nas paredes, e alcançar um solo seguro. Outros tantos, tiram proveito dos que caem na mesma velocidade, procurando trapacear a descida, e subir alguns metros a mais. Mas nada disso, importa, é um abismo, entende? O final é um chão duro, no qual todos bateremos nossas faces!!!”
O homem falou quase sem pausas, com uma eloquência invejável. Os olhos de Jorginho ficaram então maiores, arregalados. Ele nunca esperaria uma resposta assim. Ficou imóvel e atônico, não sabia o que responder ao homem e precisou de alguns minutos para compreender a mensagem passada. E como se fosse ele que tivesse ficado sem ar, encheu seus pulmões e retrucou:
“A vida é um abismo sem fim, logo, basta aproveitar a queda-livre!!! É livre, não é? E nela cada um pode fazer o que quiser, mesmo que seja não se preocupar em entender que está caindo!” Soltou, por fim, um “eureca”. Aliviado sorriu, agradeceu ao homem com um grande abraço que, embora, quase não correspondido, não fez a menor diferença. Saiu de perto e foi direto para o escorregador.
Por fim, o homem levantou-se e começou a caminhar, pensativo: “Os otimistas, gente incorrigível! ”

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