Se vocês soubessem como esta noite está diferente. São três horas da madrugada, estou com uma de minhas insônias. Tomei uma xícara de café, já que não ia dormir mesmo. Botei açucar demais, e o café ficou horrível. Ouço o barulho das ondas do mar se quebrando na praia. Esta noite está diferente porque, enquanto vocês dormem, estou conversando com vocês. Interrompo, vou até o terraço, olho a rua e a nesga da praia e o mar. Está escuro. Tão escuro. Penso em pessoas de quem gosto: estão todas dormindo ou se divertindo. É possível que algumas estejam tomando uísque. Meu café então se transforma em mais adocicado ainda, em mais impossível ainda. E a escuridão se torna tão maior. Estou caindo numa tristeza sem dor. Não é mau. Faz parte. Amanhã provavelmente terei alguma alegria, também sem grandes êxtases, só alegria, e isso também não é mau. É, mas não estou gostando muito deste pacto com a mediocridade de viver.
Clarice Lispector - 18 de maio de 1969
2 comentários:
Engraçado, interessante e frustrante como certos momentos de alguém vem tão bem para um encontro com cada um de nós. Como um eco que transborda e ressoa durante anos e "bum" vem de encontro conosco. Latente que parece tão simples.
Ainda mais enquanto eu lia isso ao beber um café também muito adocicado hahaha
As pessoas dormem enquanto o sono da insônia bate à porta da gente, e, o café, amigo da gente...as vezes se mostra adocicado demais; outras vezes, amargo.
Nunca confiei em pessoas que dormem demais...
Interessante como sempre existe ressonâncias nesse universo; nunca estamos sozinhos, pois sempre tem algum solitário insone perdido por aí...
rsss
At.
Do seu mais novo:
"Leitor Anônimo"
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