(esboço na correria: pra não esquecer)
Distraída,
percebi primeiro suas olheiras.
Percebi
no seu rosto as olheiras
de quem só tem tempo pra pressa,
e insiste
na demora da prosa,
ansiando o ócio da poesia.
Vejo os olhos
fatigados de dores do mundo,
e a falta de tempo para os rituais de
beleza
dão lugar àquela mais singela e intensa estética,
com uma
tristeza,
quem sabe,
de se saber mulher,
disfarçada no sorriso
esboçado
ao perceber a presença da observância.
Mulher,
quem
sabe ainda menina,
quem sabe ainda ferina e doce.
Quem sabe, ainda,
cansou dos amores,
ou dos horrores do mundo,
ou talvez seja cansaço
de luta,
de quem não arreda o pé
quando ouve que mulher não pode,
quando vê que igualdade
é mais privilégio que querer universal.
Ou, essas
suas olheiras,
a ressaltar os olhos esverdeados
escondidos por trás
dos óculos,
sejam apenas falta de sono,
ou
insônia,
de uma outra luta,
aquela de quem insiste em sobreviver,
de
quem trabalha mais de 10 horas,
das mães
que criam seus filhos
sozinhas.
Nos traços delicados,
que vão aos poucos se moldando
pela
idade que chega,
aos poucos, de mansinho,
junto com os parcos
cabelos
brancos,
vejo a menina-moleca descalça,
vejo tantas outras mulheres,
vejo a senhora que chegará.
Nós, mulheres,
talvez sejamos realmente
desdobráveis,
e não gauche
como o poeta,
já que somos muitas e de muitas formas.
Neste
rosto, único,
e tão meu,
cheio de pressa e de
afazeres,
cheio ainda
de desejos de vida
e de morte,
eu,
com tantos quereres,
que insisto
na demora da prosa
e sonho em poesia
– mesmo no desencanto do mundo
–
só espero
que nunca se instale a sombra da desesperança,
do
cansaço inóculo,
de quem desistiu do mundo.
Sua beleza descomunal,
alinhada aos cachos
derramados pelos ombros,
desordenados,
desordeiros,
apelando
para uma liberdade,
talvez
saudosista de outrora,
desmoronaria.
O que nos
faz lindas,
o que te faz irremediavelmente linda,
não é o padrão
estético
de um nariz saído do universo rosa e obscuro da disney,
nem daqueles olhos arredondados e gigantes,
amados neuroticamente
pelos japoneses,
muito menos as bocas Jolie's.
Não!
Sempre é,
aquilo que pulsa dentro e mais forte,
o que vejo que desenhas
ao
distrair-se com com carros além,
é isso que ainda te faz sorrir
para uma estranha,
quando poderias
ter medo,
é o que te faz carregar
Manuel de Barros
embaixo do braço,
escondido de outros olhos
invejosos,
é esse “quê” além de beleza.
Acho enfim,
que talvez
sejam,
justamente,
suas olheiras.