sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Sisório

Em homenagem
aos verdes e pálidos olhos
eu bebi
uma garrafa de cólera.

     Quero explodir você,
     ver seu esguio corpo
     dobrar-se ao meio.
               - Desejo fascista!
          de convulsionar suas vísceras
          fazê-las espasmos cósmicos
          da, finalmente,
          chegada morte do Universo.

Enquanto sou dobrável e reclinável,
poltrona macia
você cínico, de patológico siso
perderá todos os dentes.
Vê-los corroídos pelo ácido
de minha própria saliva.

     Quero afogar você,
     ver seu esguio corpo
     debater-se epileticamente.
             - Desejo de destruição!
          de esmagar seus miolos
          fazê-lo de formas intermináveis
          e, ver você pedir a própria morte
          como um suicida.

Quem sabe assim,
apareça n'algum lugar seu coração,
              -Quem sabe no pé!
          Quem sabe....
o verde de seus olhos ganhem cor
enquanto lágrimas de vidro
escorrem
como sangue.


{maio de 2016}

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Longa noite, frio e chuva. Desconhecidos em um bar. Clichê. Nada há de novo, a não ser os seus olhos. Não eram de um novo clichê azulado como o céu, nem verdes como florestas profundas. Eram castanhos e enormes. Ordinariamente castanhos. E me fitavam no meio escuro, com um brilho que jamais encontrei em outros olhos. Eram dois dantescos abismos que me comiam viva e no fundo dois quais era possível descobrir chamas que mais tarde acenderiam meu corpo para nunca mais apagar. Brilho do nascimento de estrelas. Sou inteira brasa, que queima como se no inferno estivesse, como um incenso que exala seu cheiro. Me apaixonei no instante em que vi estes olhos, c'orgulho não reconheci. Tarde pude perceber que amor assim não deve minguar de desperdício. Jogamos fora o amor é nos jogarmos juntos. E foi o que eu fiz, não foi? 

sábado, 15 de outubro de 2016

Buy up hearts,
unbroken.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Retrato de ônibus, para uma desconhecida

(esboço na correria: pra não esquecer) 

Distraída,
percebi primeiro suas olheiras.
Percebi no seu rosto as olheiras
de quem só tem tempo pra pressa,
e insiste na demora da prosa,
ansiando o ócio da poesia.

Vejo os olhos fatigados de dores do mundo,
e a falta de tempo para os rituais de beleza
dão lugar àquela mais singela e intensa estética,
com uma tristeza,
quem sabe,
de se saber mulher,
disfarçada no sorriso esboçado
ao perceber a presença da observância.

Mulher,
quem sabe ainda menina,
quem sabe ainda ferina e doce.
Quem sabe, ainda, cansou dos amores,
ou dos horrores do mundo,
ou talvez seja cansaço de luta,
de quem não arreda o pé
quando ouve que mulher não pode,
quando vê que igualdade
é mais privilégio que querer universal. 

Ou, essas suas olheiras,
a ressaltar os olhos esverdeados
escondidos por trás dos óculos,
sejam apenas falta de sono,
ou insônia,
de uma outra luta,
aquela de quem insiste em sobreviver,
de quem trabalha mais de 10 horas,
das mães
que criam seus filhos sozinhas.

Nos traços delicados,
que vão aos poucos se moldando
pela idade que chega,
aos poucos, de mansinho,
junto com os parcos
cabelos brancos,
vejo a menina-moleca descalça,
vejo tantas outras mulheres,
vejo a senhora que chegará.

Nós, mulheres,
talvez sejamos realmente desdobráveis,
e não gauche como o poeta,
já que somos muitas e de muitas formas.

Neste rosto, único,
e tão meu,
cheio de pressa e de afazeres,
cheio ainda
de desejos de vida
e de morte,
eu,
com tantos quereres,
que insisto na demora da prosa
e sonho em poesia
 – mesmo no desencanto do mundo –
só espero
que nunca se instale a sombra da desesperança,
do cansaço inóculo,
de quem desistiu do mundo.
Sua beleza descomunal,
alinhada aos cachos
derramados pelos ombros,
desordenados,
desordeiros,
apelando
para uma liberdade,
talvez
saudosista de outrora,
desmoronaria.

O que nos faz lindas,
o que te faz irremediavelmente linda,
não é o padrão estético
de um nariz saído do universo rosa e obscuro da disney,
nem daqueles olhos arredondados e gigantes,
amados neuroticamente
pelos japoneses,
muito menos as bocas Jolie's.
Não!
Sempre é,
aquilo que pulsa dentro e mais forte,
o que vejo que desenhas
ao distrair-se com com carros além,
é isso que ainda te faz sorrir para uma estranha,
quando poderias
ter medo,
é o que te faz carregar Manuel de Barros
embaixo do braço,
escondido de outros olhos invejosos,
é esse “quê” além de beleza.

Acho enfim,
que talvez sejam,
justamente,
suas olheiras.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Poema-Pássaro II

Se um pássaro pudesse saber
de todas as dores
que inventam, os homens, pra si.

Toda a delicadeza de suas penas
seria manchada de um turvo véu:
não poderia voar,
pesado de dores.

- É por isso que o homem não voa.

Se um homem
fosse pássaro,
quereria ser águia-gavião.

Mas de fato, seria Ícaro-galo ensimesmado
olhando de cima, como se a crista que leva
fosse coroa divina.

Caindo ao chão,
depois de voar cinco metros,
com o pescoço quebrado
morto, correria mais cinquenta.

- É por isso que é também dor,
o orgulho que pesa.

domingo, 14 de agosto de 2016

"¿Te has inclinado a veces para tocar la tierra donde el musgo defiende las flores más pequeñas?"
Sara Ibáñez.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Queira alguém que suporte seus silêncios
que queira molhar os pés na chuva
e prefira sapatos rotos.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Poema ao melhor amigo do homem

Se o tempo é invenção de bicho-homem
decreto desde ontem
e de anteontem
e de mais anteontens ainda,
a prescrição do calendário,
e seja ele a sombra dissidente
da sua presença,
meu caro amigo, lendário.

Que agosto nunca chegue,
julho nunca termine
e o tempo suspenso
seja apenas rima,
brinquedo velho
nas mãos de uma menina.
(ou ainda na boca,
na sua boca, cheia de dentes afiados,
como uma doce paparoca).

Para que esses dias de dor
sejam expurgos da vida,
para que,
ano que vem, ainda mais
não seja a despedida que se lembre,
e sim a sua selvageria,
a sua bagunça,
a de todos os animais.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Poema-Pássaro

Gosto do som das asas dos pombos
Sim ,eu sei - são os pássaros mais ruidosos,
mais desprezíveis,
mais que galinhas...

Mas,
com eles,
a experiência do voo
é mais verossímil.

Com as pombas,
tenho imagem,
vejo a dinâmica e,
tenho a sensação do som.

Sentir é sempre mais verdade que ver.

Com os pombos
sinto o voar,
sinto o vento que perpassa penas,
e o vento é toda uma arte de sentir.

Pombos e também sabiás,
e também rouxinóis, beija-flores,
corvos e bem-te-vis,
o diriam se pudessem.

E se pudesse, falar, falariam:
pobre homem,
ter linguagem e não ter voo.
Está preso na própria palavra!
...foi com ela
que inventou a liberdade.

sábado, 25 de junho de 2016

Desde muito cedo
vivi entrouxada nos livros.

Hoje ouço mais o apelo da vida,
e vivo
entrouxada nela.

domingo, 12 de junho de 2016

Conversa furada entre amiginhos.

No tribunal pós-moderno da inquisição, os juízes Donald Trump e Bolsonaro conversavam a respeito de relacionamentos gays:

quaestio facti: esse amor existe?
quaestio iuris: esse amor é licito?

Silogismo básico:

Premissa maior: Só humanos podem amar.
Premissa menor: Gays não são humanos.
Conclusão: Logo, gays não podem amar.

quaestio facti: não é amor.
quaestio iuris: isso é ilícito.


Segue-se outro silogismo:

Premissa maior: Gays não são humanos.
Premissa menor: Só é ilícito matar humanos.
Conclusão: Logo, matar gays não é ilícito.

A conversa termina com risadas: "esse Omar Mateen, ah.. que homem!, deveria ser glorificado hein?"

domingo, 5 de junho de 2016

Às experiências vividas e ao arquétipo da mulher-selvagem

(ou Balanço,
ou Waking life
ou Poema-prosa)


Ah doce, inconsistente e precipitada,
uma alma cheia de vísceras
e agora,
diante de um amor abortado
e outro
que apesar falência múltipla pela idade,
outros
insistem em manipular
como se pulsasse outra coisa que não
desespero.

Entre inúmeros acontecimentos
acordou,
cheia de um horror zombeteiro,
de um cansaço plácido,
é que despertou de outro modo, com outros olhos
– o demônio lhe esgueirou-se à noite.
Depois de muito tempo
enfrentando o olhar retornado do próprio abismo,
o aborto daquele amor
estremeceu
terras estrangeiras, esquecidas
– reconciliou-se.
Não sem dor, não sem o rasgar da carne,
não sem o ruir de um sonho breve.

Mas o sonho,
talvez ela dissesse,
é pra ser rasgado e a carne para ser breve.
E a vida no meio disso,
a vida grita, esbraveja e luta.
Pois é Drummond
a “vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia”,
não importa quantos espíritos negativos desejem,
falem,
velem o mal,
ela é muito mais do que a dor,
a organização perfeita e estéril de um armário de livros,
a vida é o riso,
seja de escárnio ou de bem-aventurança.
A vida é o precipitar-se da alma,
é o correr risco. 

Ela não só reconciliou-se,
fez um pacto diabólico
com o próprio abismo:
“aceito-te enfim, mas permita-me sempre
estender à mão para a terra mais lamacenta de seu ventre.”

Não posso dizer se o abismo concordou,
mas o jorrar do sangue voltou,
intenso..
intenso...
intenso....
e está vindo inundar palavras
e letras de um vermelho
rubro, liberto:
uma escrita que tento aqui recriar, hesitante,
trêmulo
porque aquela mulher,
que parece serenidade,
lua,
mel
e orvalho,
hoje é mulher-selva, selvagem, densa.

Olho-a daqui,
como se pudesse olhar o êxtase da intensidade,
como se pudesse personificá-lo,
mas sem mistificação,
preenchido de um orgulho ilustre.

E, se pudesse me ver, ainda mais este instante
diria: "é que toda morte é um desobrigar-se."

Sem mistificação, não sem mistério!?

Permaneço confuso e embrigado...

sexta-feira, 4 de março de 2016


Repetir incansavelmente Raduan como um se fosse um mantra, uma relevação percebida por um ṛṣis alojado em minha alma: ... o tempo, o tempo e suas águas inflamáveis
O tempo, porém água, é incansavelmente doce. Para aquele que obstinadamente saiba das insídias da vida, colherá os frutos...


... o tempo, o tempo e suas águas inflamáveis.

(Escrito em algum dia quente deste janeiro passado, doce e leve, malgrado os agouros desse verão que se esvanece entre fevereiro e março... 
 Essa vida insidiosa requer coragem deveras, e seus meandros não são para aqueles que carecem desta virtude, para aqueles que não saibam ou não consigam aguentar o peso da verdade, por mais controversa que esta mesma possa ser. Até para ser Judas é preciso enfrentá-la, caso contrário, só caberá a fuga, a quem os frutos serão amargos e pungidos...)

terça-feira, 1 de março de 2016

E eu, que sempre procurei seu olhar sincero - só o vi de relance, na bruna da noite, quando não era direcionado a mim, mas ao seu próprio abismo - nem no adeus percebi... Nem no adeus tive a chance de resguardar seus segredos no fundo dos meus olhos...

(29 de fevereiro de 2016)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Às vezes sinto as palavras como se fossem as únicas coisas das quais realmente disponho, mas desfrutá-las é tornar pesado a melhor parte. É um poder que acontece e deixa os sentimentos com gosto ocre e cheiro acinzentado, porque pintados de razão.

Por este juízo, é preciso entender os olhos, meus caros...