Eu que sempre quis ser arquiteta das palavras, hoje me contento em ser pequena artesã, sem grandes ambições e luxúrias. É que não sou diplomata nem nunca o serei, sou apenas uma trabalhadora, do interior do Paraná que há pouco iniciou rotina nova. Sendo este o fato, que se configura como uma misto de sonho e realidade, ser aquilo que quis ser, professora, ele veio a acontecer de forma abrupta e neste cenário horrendo para tal profissão.
Com o propósito de adoçar vivências e a própria alma que caleja sob o embalo de um ônibus e das paisagens paranaenses, inicio igualmente um novo tópico de escrita, de pequena artesã: as crônicas de uma trabalhadora pendular.
Um mês de trabalho, trabalho novo, professora, em outra cidade, já computo quarenta horas mensais dentro dos princesas dos campos. Metade do mês vivido aqui, outro acolá, metade dos planos remanejados, metade do sonho ocorrido - ainda não exaurido. Um conhecido, dentro de um misto de acalanto e brincadeira buscou lembrar de outro conhecido, que viaja semanalmente dezoito horas, cruzando parte desse Brasil de deuses e anti-heróis. O acalanto serviu, por hora, embora seja o ocaso (e quem sabe o acaso) de sempre lembrarmos de fazer esse ato aqui tentado de adoçar vivências, sempre tem alguém pior, um sofrimento mais terrível, uma rotina mais desgastante. Não que isso diminua o peso das horas passadas em um ônibus e o cansaço de dormir poucas horas por dia. A iminência do desemprego, que atinge mais de 10% de nós, nos faz aceitar qualquer negócio (e olhe que do meu não posso reclamar não, salário bão, lugar bão, e fazendo o que se gosta?, vixi, até paro de falar em amarguices) - é o nosso modo de produção, "mais justo que os anteriores".
Com o propósito de adoçar vivências e a própria alma que caleja sob o embalo de um ônibus e das paisagens paranaenses, inicio igualmente um novo tópico de escrita, de pequena artesã: as crônicas de uma trabalhadora pendular.
Um mês de trabalho, trabalho novo, professora, em outra cidade, já computo quarenta horas mensais dentro dos princesas dos campos. Metade do mês vivido aqui, outro acolá, metade dos planos remanejados, metade do sonho ocorrido - ainda não exaurido. Um conhecido, dentro de um misto de acalanto e brincadeira buscou lembrar de outro conhecido, que viaja semanalmente dezoito horas, cruzando parte desse Brasil de deuses e anti-heróis. O acalanto serviu, por hora, embora seja o ocaso (e quem sabe o acaso) de sempre lembrarmos de fazer esse ato aqui tentado de adoçar vivências, sempre tem alguém pior, um sofrimento mais terrível, uma rotina mais desgastante. Não que isso diminua o peso das horas passadas em um ônibus e o cansaço de dormir poucas horas por dia. A iminência do desemprego, que atinge mais de 10% de nós, nos faz aceitar qualquer negócio (e olhe que do meu não posso reclamar não, salário bão, lugar bão, e fazendo o que se gosta?, vixi, até paro de falar em amarguices) - é o nosso modo de produção, "mais justo que os anteriores".
Confesso que desvio da teleologia, impossível passar desapercebida por isso, valia mais que uma nota.
O que venho de fato, contar, humildemente aqui, é que passar quarenta horas mensais em princesa dos campos - a companhia mesmo, e não minha cidade natal, tão querida e odiada - é me permitir conhecer mais essa gente que circula por entre cerca de 10 cidades diferentes: Ponta Grossa, Imbituva, Irati, Rebouças, Céu Azul, Mallet, Paulo Freitas, Paula Frontin, União da Vitória!(?) Se esqueci de alguma (ou errei o nome) é que são quarenta horas passadas entre leituras, preparo de aulas, cochilos e eventuais conversas com desconhecidos.
Gente que entra e sai o tempo todo, com mais de quinze paradas ao longo de cada viagem, gente com um cheiro específico, um sotaque específico, um jeito de ser específico, majoritariamente adultos com mais de 40 anos, oriundos do meio rural. Entre as pequenas conversas que pego ouço falar que ter duas granjas não vale a pena - seja pelo gasto com energia elétrica, seja pela falta de tempo que isso gera. Em outro momento ouvi duas mulheres discutindo sobre a mortadela, supostamente feita com carne das entranhas de cavalos. Semana passada conversei com um senhor, que nunca fez mais que o ensino médio, que me falou aquilo que um filósofo italiano havia acabado de me falar em livro: nosso processo de socialização vai à bancarrota, na medida em que crianças conversam mais com dispositivos eletrônicos do que com humanos - ou como o italiano de forma chique dizia "hoje uma criança aprende mais palavras por meio de máquinas do que pela própria mãe". As mãos desse senhor eram calejadas, ele estava queimado de sol, tinha as roupas sujas.
Gente que entra e sai o tempo todo, com mais de quinze paradas ao longo de cada viagem, gente com um cheiro específico, um sotaque específico, um jeito de ser específico, majoritariamente adultos com mais de 40 anos, oriundos do meio rural. Entre as pequenas conversas que pego ouço falar que ter duas granjas não vale a pena - seja pelo gasto com energia elétrica, seja pela falta de tempo que isso gera. Em outro momento ouvi duas mulheres discutindo sobre a mortadela, supostamente feita com carne das entranhas de cavalos. Semana passada conversei com um senhor, que nunca fez mais que o ensino médio, que me falou aquilo que um filósofo italiano havia acabado de me falar em livro: nosso processo de socialização vai à bancarrota, na medida em que crianças conversam mais com dispositivos eletrônicos do que com humanos - ou como o italiano de forma chique dizia "hoje uma criança aprende mais palavras por meio de máquinas do que pela própria mãe". As mãos desse senhor eram calejadas, ele estava queimado de sol, tinha as roupas sujas.
A cada nova viagem, meu coração aumenta e diminui. Meu cansaço aumenta e diminui. Fico curiosa para conhecer essa gente - embora minha pequena misantropia (que em determinadas horas aparece) sempre inconveniente me barra. Mas isso foi apenas um mês e este é um pequeno relato - de pequena artesã; há tanto a se dizer e há tanto a se calar e há tanto o que adoçar (menos o café, nunca o café!)!