segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Três (não) atos.

Há cinco anos seus olhos me fitaram pela ultima vez, embebidos de lágrimas de ódio. E, embora silêncio fosse a única palavra dita, ainda posso ouvir seu grito, em desespero embargado: "Porque você não morre?"
Agora são meus olhos que a fitam. Sem pensamentos. Sem ações. Porque, diabos, estou eu aqui? Minha presença só será incômodos - nós juramos nunca mais palavra, olhar e gesto. E nesta noite, impossível não notar a sua beleza, tão mulher: vestido simples, vermelho tão rouge. É que nesta noite ela é o centro das atenções, ganhou o que sempre sonhara, ser (Ser!) uma escritora de renome, noite de prêmios, esta.
Esta, é comemoração radiante.
É um hotel e quase todos os convidados dormirão aqui. Alguém, com ela, dormirá? Posso sentir, pelo seu corpo, olhos desejosos, macio... Santo deus!

***

Hora dos discursos. Estão todos com taças de mil espumantes nas mãos. Seu sorriso irradia uma felicidade bêbada e é a sua hora de falar, então. Tanta potência na voz, meu cristo, como essa menina cresceu! De um cantinho sem sol para ser o sol de todos.
Agora, enquanto ela discursa, estou à frente, dez metros de distância, é a hora dos discursos, é a hora do discurso dela, é a hora de ela me notar... Ergue a taça, me olha (finalmente!) e agora (agora de novo) o mundo parou, para que novamente possamos nos olhar perplexos? Não... todos estão perplexos, os gestos da minha doce menina pararam, já não olha mais para mim, a sua voz sumiu como se alguém tivesse apenas abaixado o volume e desligado seu corpo. 
A estrela da noite desmaia. É muita emoção para minha pequenina. Ao menos foi o que ela disse,  recobrando os sentidos, bem como, o que a imprensa noticiará amanhã. Eu sei que fui eu. Enquanto ela se retira para o quarto, atuando uma indisposição, procura-me na multidão. Vai, procura!! Que eu desapareço, com um grande sorriso nos lábios. Ainda sou nocivo à pequenina. 
Vou até seu quarto. 
(Ainda não sei  o que faço).

***

Três batidas da porta. Ela manda entrar, com a mesma voz eloquente de minutos antes. Pensa ser um tal de Augusto, pede que espere no quarto, que ela está no banheiro. Mas eu não aguento esperar, preciso ir lá... Abafo meus passos para que ela não reconheça as minhas pisadas de brigadeiro aposentado. Seu cheiro doce (e enjoativo) de rosas exala por todos os cantos deste quarto de hotel. Poderia dizer que ela viveu todos os seus dias aqui. Cada detalhe é ela. 
A porta do banheiro está entreaberta. Ao ouvir o ranger, ela repreende: "Augusto, já disse que não gosto quando entra no banh... Você!?" 
Dizer que o choque se instalou em seu respirar é demasiado mesquinho e efêmero. Apenas sua face endureceu, e não há surpresa em seus olhos sombrios. 
Porque está em uma banheira cheia de travesseiros?, excêntrico como ela sempre foi. Se eu realmente perguntar ela dirá: banheiras sempre foram confortáveis, apenas troquei a água pelos travesseiros, a sensação de relaxamento é a mesma, e eu não preciso me molhar. O que faz aqui? E eu diria, o papai voltou para cuidar de você minha pequenina, amor de minha vida.
Mas não...
Se é ela quem sempre embargou a voz e não conseguiu falar, agora é minha vez. Estou eu em choque. (Porque eu?) Não me movo, apenas a olho, estendida na banheira, confortavelmente, ela olha para a frente, e parece não querer me dar nem um segundo de seus olhos. 
Eu nunca fui bom pai, e ela nunca foi tão gostosa como agora (agora!)...

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Um pecado necessário

Obras em hospitais são tão horripilantes e nauseabundas, na mesma quantia em que são completamente imprescindíveis. Um hospital precisa atender aos seus doentes com excelência em todas as esferas – e acredito, isso não é exigir de mais. Entretanto, porém e todavia... qualquer homem que entre em um hospital com obras as sentirá como pecado puro. Se sentirá doente, estando ou não. O barulho das brocas e das marteladas estremecem o corpo. Tão alto é o som, que qualquer um poderia jurar que lhe sai da própria cabeça, como se um pequeno animal estivesse martelando seu crânio. Procurando sair. Loucura. Pecado. 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A falena e a luz sibilante


Queria ser no instante de agora o instante nada, ser a liberdade pura, que é a mesma coisa. Desejo enfim, ser solidão. Não queria sair deste quarto repugnante e pungente. Não queria jantar, o contato com a comida é sair da solidão, é estar preso ao próprio instinto animal. Queria menos ainda contatos humanos, banais, medíocres ou sibilantes. Aguentar a mim mesma é mesmo difícil nessas horas, os outros, são, na mesma medida os outros, os corpos estranhos e inatingíveis que me dão medo na mesma proporção que dão à tímida infante. Eu não aguento os outros.
Queria o impossível, a negação da negação, que não, não é a síntese. É o nada. Queria estar morta, mas não morrer, não o suicidar-se, não o homicídio, apenas estar morta, a sete palmos do chão que todos nós pisamos, nos tempos de hoje, raramente descalços.
Queria portanto o Impossível.
Queria telefonar-te e dizer: vem. Mas não seria você quem estaria aqui. E não seria eu. No instante de agora eu não sou eu, nem tu, nem nós, eu sou o vácuo sem ser o nada. Queria escutar-te a ligeira Petulância, o quase sempre descarado supérfluo Superficial, e a irresistível e irritante Sensualidade que exala da sua respiração. Que eu nem sei mais como é. Eu não sei quem você é, nessa abstração onde só cabe idealismo. O amor é um ideal, que no instante de agora renego e desejo, desesperadamente. Como a falena que sai ao encontro da lâmpada, para morrer no mesmo instante que atinge seu objetivo.
Eu sou a falena que morre todos os dias, pois corre e encontra a luz todas as noites. Mas eu não renasço das cinzas. Sou apenas pó.  

domingo, 30 de dezembro de 2012

Mais um ano que se vai, mais lições que se aprendem...

Para o findar deste 2012, deixo a mim, e a qualquer que leia estas míseras palavras,  o meu relato de, sem dúvidas, a cena mais linda deste ano:
Estava eu, a descer a rampa do supermercado, saindo do mesmo, quando, de súbito, observo no topo da rampa oposta, à minha frente, uma senhora já muito de idade em uma cadeira de rodas e, provavelmente, sofrendo de males da velhice como a esclerose. Foi o que pude notar. Quem à levava, era, sem dúvidas, seu filho. 
Ao descerem a rampa, o filho e a mãe, embalou o primeiro a cadeira de rodas e desceram rapidamente, como as crianças gostariam de fazer estando por cima dos carrinhos de supermercados. O resultado foi simples, uma alegria estampada, das mais luminosas, percorreu o rosto dolorido da velha senhora bem como do filho. 
Talvez pareça bobagem este relato, mas como é fácil trazer apraz alegria à toda gente que entende o que é simplicidade e sabe viver com ela. 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Tesouro sujo, cor mostarda.

Nunca fui de escrever sobre objetos. O que sempre me impulsionou, sempre me fascinou é a figura humana, em todas as suas nuances, sabores e sentimentos. Mas sinto a necessidade de por em palavras aquela casa.
Uma casa simples, metade madeira, metade alvenaria, arquitetura provavelmente do início do século passado. Mas simples.
Amarela mostarda, suja, como se estivesse esquecida.
Com certeza, despercebida, humilde.
Sua presença nunca antes notada, quase desfalecida, abandonada, como pude nunca antes tê-la notado? A presença tímida foi ganhando forma, espaço, ideia, até explodir em absoluto. Preciso conhecê-la, seus meandros, seus quartos, suas falhas.
Como pode um objeto possuir tanta atração? O que existe nesta casa que me impulsiona, que me paralisa, que me domina por completo? Ela exige-me que eu a olhe, que eu a pense, que eu a sinta, que se torne palavra falada e escrita. E em cada palavra, há outra, submersa, dizendo-me, estás maluca, estás obcecada por uma velha e imunda casa. 
Parece ser um grito abafado antes da morte,  prestes a ser demolida, prestes a ser sucumbida em suas próprias memórias. Posso acordar amanhã e ela não estará lá, como para mim, não estava antes, tudo será igual. Mas sua ideia permanecerá, sentirei sua nostalgia e sua falta. E, eu nem a conheço. Eu nem a entendo, não vi a fundo suas formas suntuosas e retas.
Desespero em não poder vê-la de perto. Quase como se meu destino estivesse atrelado ao dela, como se lá houvesse o tesouro de minha vida. Reto, ambíguo. Secreto. Inacessível. 
Sua presença será para sempre O Quase. 

sábado, 8 de dezembro de 2012

...suspiros. Estar em uma prisão sem grades... cerrar barras de ferro invisíveis! O pesadelo é a realidade, e o sonho, loucura. O próprio caminho é uma maldição. Será tão difícil assim alguém entender que o outro anseia por vida?? Perguntou-me porque as barreiras são tão sólidas e há tanta distorção. E o tempo, fiel inimigo, não passa. 
Sempre as mesmas pilhérias, sempre as mesmas redundâncias, sempre o mesmo medo. Tudo sempre igual, mesmo quando tudo muda. 
Sempre reclamações. 
Houve tempo em que elas não haviam? Difícil recordar, talvez porque, realmente, não houve, mesmo que ela tente enganar-se.
Solidão no meio de muitos: clichê. Procurando-me, procurando por ajuda, mas auxílio, da minha parte, de parte alguma, não há. 
No que eu poderia ajudar? Ninguém pode dizer a ela o que fazer. Ninguém pode lutar por ela. 
Nas contas, o fim, sempre estará só, mesmo que eu lhe diga, estou contigo. Mesmo que outro então, a pegue no colo...  Felicidade é um sentimento que ela renega, mesmo tentando buscá-la, incansavelmente. 
Apenas nostalgia em seu coração, não consigo alcançar.
Um dia, conseguirei? 

domingo, 18 de novembro de 2012

"A arte existe para que a verdade não nos destrua", acho que essa frase nunca fez tanto sentido... poder me alimentar de arte em momentos como este, se tornou imprescindível! Observar, escutar, olhar, ler e produzir arte: parar e reparar que o mundo não é tão feio assim. Mesmo sabendo que a sociedade é pobre, justamente por ser o vômito de um deus cego, saber que seus indivíduos são capazes de tamanha beleza.
Quando a palavra de ordem é destruição e nós teimamos em não aceitar a mudança, quando nossos alicerces são tão frágeis quanto nós e ameaçam ruína, ao mesmo tempo que precisamos arriscar independência dos mesmos. Mas todos nós, sempre, precisamos de apoio. 
Quando não há saída, ou não se pode enxergar uma. 
Quando a verdade é tão feia e rude, que o primeiro instinto é apatia e negação. 
Quando a vida reclama vida.
É aqui que ela se torna realmente linda e tão mais sublime, quando o coração dói tanto que grita: vida! Observar a arte da vida e a vida arte, isso é manter o pulso firme. 
"To be a rock and not to roll..."

domingo, 4 de novembro de 2012

Será possível realmente conhecer alguém, mas principalmente, será possível poder verdadeiramente confiar em alguém? Porque os outros só existem, para nós, enquanto existem em nossa consciência  sendo que, em concreto, suas existências vão além...
Conhecer todas as faces e facetas de alguém, em todo o seu íntimo ser, quando, nem mesmo, conhecemos nossos próprios abismos, até que possamos cair neles.
Como podemos confiar estes abismos secretos de nós mesmos, sem pilhérias, sem mesquinharias, se os outros vivem além de nós??


(escrita contaminada pela leitura de Simone de Beauvoir - de 09.10.2012)