quarta-feira, 20 de abril de 2011

Inconsistente-me.

Ouvir a vida ao som do seu coração, tão certo, tão ritmado, tão livre nas suas prisioneiras batidas.

Quem sabe, poder tocá-los com minhas próprias mãos desencarecidas, sentir o pulsar de sua carne em meio as minhas unhas: coração e vida, para talvez sentir-me mente e lucidez, para talvez recuperar o brio, que ébria de morte, já perdi.

Recuperar meu próprio sangue em tua carne! Remexer as entranhas para supor alma enquanto mortal. Para enfim, supor a vida, alguma vida, qualquer vida... que reste neste miocárdio que tão lentamente insiste em aniquilar-se.

Quero escalar e escaldar a sua pele, descobrir cada filete de carnes, nervos e memórias. Quero reinventar o conceito dos teus orgãos, achar uma nova razão de ser para seus intestinos: alimentar-me jamais; e nova também para teus membros, embebedar-vos de prazer ligeiro e comovente, como a doce primavera da infância que nunca retornará, esquecendo-me, como sensação, inteira. E para teus miolos, ao invés de guardar, que sejam apenas vibrações para a completa distração e lapso.

Queria ouvir-te o que é terreno, sublime e breve, como um corpo que apodrece para o esquecimento.

domingo, 10 de abril de 2011

Sobre cantigas de escárnio e de maldizer de la modernité...

Vivendo nos interstícios é que a mosca do escárnio se acopla, não é nem animal, nem objeto. Nunca esta a posse. É posse. Suga-lhe as diretrizes auriculares da vida. Em sem perceber o sujeito renega-se a própria vida, em causa do maldizer alheio.

- Tira essa película cinza escárnio dos teus olhos. As teias que prendem são lançadas por ti mesmo. Zombaria-se dos outros, pobre lúdico; seu desejo é sua própria maldição. Pútrido!

sábado, 5 de março de 2011

Enquanto vocês dormem

Se vocês soubessem como esta noite está diferente. São três horas da madrugada, estou com uma de minhas insônias. Tomei uma xícara de café, já que não ia dormir mesmo. Botei açucar demais, e o café ficou horrível. Ouço o barulho das ondas do mar se quebrando na praia. Esta noite está diferente porque, enquanto vocês dormem, estou conversando com vocês. Interrompo, vou até o terraço, olho a rua e a nesga da praia e o mar. Está escuro. Tão escuro. Penso em pessoas de quem gosto: estão todas dormindo ou se divertindo. É possível que algumas estejam tomando uísque. Meu café então se transforma em mais adocicado ainda, em mais impossível ainda. E a escuridão se torna tão maior. Estou caindo numa tristeza sem dor. Não é mau. Faz parte. Amanhã provavelmente terei alguma alegria, também sem grandes êxtases, só alegria, e isso também não é mau. É, mas não estou gostando muito deste pacto com a mediocridade de viver.

Clarice Lispector - 18 de maio de 1969

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Transcendendo à Imanência.

O nosso ritual já nos é conhecido, do soar da campainha até o ultimo adeus. Contudo, cada vez que nos encontrados é novo fôlego, nova alma, transcendemo-nos. Lembro-me de cada toque, palavra e respiração, que são os mesmos em cada novo encontro, e tão diferentes toda vez que os sinto. Quando me envolves o mundo separa-se ao meio, como se não fosse mais nada, como se ao nosso redor ecoasse um grande vácuo onde apenas escutamos o nosso som de êxtase. Suas mãos tão firmes e sua boca tão doce e voraz, é a nossa tempestade que dá toque surreal as fantasias de ilha deserta, e o vinho que nos enche de uma paixão maior do que imaginávamos, e aquela água a nos encher de mais energia... mergulhamos em nós mesmos.
Os corpos a se envolverem, a pele a arrepiar, os toques de sadismo, línguas e dentes e salivas e unhas e puxões de cabelos e todos frenéticos a exalar aquele cheiro de nossas peles, aquele cheiro que deixamos incrustado no colchão, nos lençóis, nas roupas e até no olhar... E o suor, os líquidos de nossos corpos e até o sangue. A nossa dança e os movimentos lentos... lentos, até se tornarem rápidos, bruscos... e cada encaixe perfeito, mostrando que somos a imanência da perfeição, da loucura, do desejo e do amor. Somos a divindade. E no fim, pergunto-me então, como?, se somos apenas homem e mulher...

Ps: texto de 2010, reencontrado e editado hoje!!

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Um brinde a união!, de espaços e de vazios... à simples união de corpos, pura conjugação objetiva, toda enlaçada de subjetivismos. Puro ato de amor. Amor à carne, e por que não? Porque não entrar na dança e amar o próprio corpo; a síntese deslumbrante do universo, e um big bang de líquidos.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Da posse inútil e de querer alguém.

Entre o vazio e o inócuo,
no limiar,
o nada e o além;
sempre aonde,
o objeto se encontrará.
De sua essência doce
e caráter inútil,
uma contestação do óbvio:
é meu.

E tornando-se o objeto seu,
na sua inocente posse
existe apenas ausência,
outrossim, ausência de calma.
No limiar, tornar-se-á limiar,
da posse do objeto tornar-se-á objeto,
novamente entre o nada e o além,
pronto para ser contestado.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Uma Negativa a Entidade-Ser!

' Abrace a sua loucura, não perca a direção dela, para não perder a sua direção antes do anoitecer, para vagar entre as várzeas do surreal e irreconhecível tu mesmo! A loucura, para penetrar em tuas paredes de mármore, desmoronar junto a elas. Conhecer os próprios limites... os nossos próprios muros insondáveis e tão dissolúveis. Prova-te, o ferro do teu sangue corrói suas veias, mas você sorri. Nenhuma dor faz sentido. Auto-destruição, auto-restituição. Como já sabido, não se perde nada quando não se tem nada. Os doutos possuem seu conhecimento e tu não precisarás nem de sua carne, pois a insanidade te acometerá eternamente, e eternamente serás o nada.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Auto-descompreensão

Queria ser apenas terra,
porque momentos de compreensão são raros, independentemente de quem aconteça (nós mesmos, irmãos, amigos, amores...); raros como um eclipse, e de momentos tão curtos e longínquos; tão inverossímeis como o olhar sincero de quem só conhece a mentira.
Ser apenas terra,
profícua.
Ninguém pode verdadeiramente compreender ninguém, e a terra, ela não precisa ser compreendida, ela simplesmente existe e ponto. Não precisa de ninguém, nem de si mesma, pois é tudo, e ao mesmo tempo.
Compreender,
que (o) nada precisa de explicação.